Quem visionou o filme “This Is Spinal Tap”, para além de ter ficado inebriado com visuais tão eskilssianescos, não pôde deixar de reparar no pormenor dos bateristas. Os Spinal Tap são uma banda heavy-rock cujo lugar junto à tarola esteve sempre amaldiçoado e largamente exposto ao infortúnio – não há mãos no mundo que sirvam para contar os membros que por lá passaram e a própria banda tem dificuldade em explicar os porquês. Não que os bateristas fossem demasiado maus ou que não se encaixassem no espírito da banda… simplesmente, acontecia sempre qualquer coisa que os afastava. A partir de certo momento, a maior expectativa que um novo baterista poderia legitimamente acalentar seria ficar por lá mais tempo que o anterior baterista. Por apenas horas ou, quem sabe, por uma digressão inteira, no caso dos mais sortudos. Todos estavam conscientes deste desafio hercúleo e nada parecia capaz de mudar o destino.
No nosso mundo da bola e num passado mais recente, apenas um caso encontra paralelo com os bateristas dos Spinal Tap: os laterais-esquerdos do FC Porto. Era vê-los a desembarcar junto ao Dragão aos magotes, como refugiados de guerra prenhes de esperança à procura de um futuro risonho, e era vê-los a definhar com menor ou maior celeridade à deriva num Oceano, abandonados sem perdão e sem uma (Marina) Mota d’água que os pudesse manter à tona, com os seus sonhos despedaçados e a ambição de estrelato apagada sem remissão.
Seria demasiado exaustivo elencar todos os que, desde Nuno Valente até Álvaro Pereira, deram o corpo às balas e se sacrificaram na dura missão de preencher o lado canhoto da defesa azul-e-branca. E porque ir mais atrás e repescar os saudosos Esquerdinha e Vlk tornaria a missão impossível. Por isso, deixámos de lado aqueles que foram inegavelmente bons negócios, como o fugaz e dentariamente debilitado Cissokho, os que foram persistentes, como Marek Cech, os que lá jogaram à falta de melhor, como Fucile, e o Emídio Rafael, que era Emídio e Rafael ao mesmo tempo. E, mesmo assim, ainda sobravam 238 elementos, incluindo aqueles que o Benfica desejou e que entraram, por definição, nas cogitações portistas. Com uns retoques aqui e acolá, resumimos para apenas sete. Sete anões, sete maravilhas; sete, esse número mágico que assentou como uma luva na montagem acima. Mas mesmo sete é uma carga de trabalhos, dá um post demasiado extenso que ninguém vai ler sem ser na diagonal e depois gastam-se pseudo-piadas de forma avulsa, pelo que resolvemos focar-nos em quatro deles. Deixemos o Lino, o Benítez e o Mareque para outras núpcias, pois até já foram aqui alvo de destaque (façam uma busca para comprovar) e terão certamente uma nova oportunidade, algo que já estarão habituados a ouvir.
Casquemos então em Leandro, Rossato, Areias e Ezequias. E o que nos vem imediatamente à cabeça? É isso mesmo, faustosas comissões para os empresários. E potencial cromístico, claro.
Leandro da Silva Wanderley. Nome de craque. Ou de empregado de restaurante de picanha. Escolham. Fez da discrição uma forma de vida. Nem sequer utilizou um apelido ou alcunha – foi apenas Leandro. Na esteira de outros Leandros que passearam pelo Dragão, como Leandro do Bonfim, que não veio de Setúbal, Leandro Lima, o velhinho feito menino, ou Leo Lima, que não era Leandro, mas confundia-se com estes como se fosse um. Ou seja, detinha uma capacidade de entusiasmo muito próxima da nulidade. A sua presença pode ser resumida numa sequência simples: chegou como potencial candidato a titular, fez uns joguitos, sentou-se no banco, sentou-se na bancada, sentou-se no avião e redescobriu a felicidade na sua terra natal. Pragmatismo, como se estivesse a perguntar “quer carne bem-passada ou mal-passada?”.
Rossato. Na verdade, este senhor nem sequer chegou a pisar o relvado com a azul-e-branca vestida. Foi uma coisa estranha: nem chegou a ser aquilo que geralmente não se é para ser durante muito tempo – defesa-esquerdo portista. De tão anónimo e rushfeldtiano, ainda nem sequer tínhamos falado dele por aqui, pelo que a sua presença se impunha: nem que fosse só para contrariar a sua falta de imposição noutros lados. Deu nas vistas naquela colónia brasileira da Choupana, sustentada por um Nuno Carrapato lusitano nas redes, e a sua contratação pareceu ter feito sentido naquele Verão de 2004… até porque, com Areias e Leandro a chegarem na mesma altura, todo o backup nunca seria demais. Mas Rossato entrou em combustão espontânea e… puf, lá se foi a promessa. Uma next big thing que encontrou o sinal de estrada sem saída logo na primeira curva.
Miguel Alexandre Areias. O terceiro e último capítulo do caos prospectivo da terrível época de 2004/05. Quando se dizia que havia uma grave crise em arranjar defesas-esquerdos portugueses, teimaram em fazer ouvidos de mercador. E apostaram mais umas fichas no Areias. Mas Areias, não sendo um camelo, era perito no bluff. De farta trunfa, Areias era um exercício de estilo a quase 100%, o mesmo estilo que pareceu ser a principal razão da contratação de Mareque – não o Marek (Cech), mas assim mesmo, Mareque, escrito à laia de contrafacção espanhola. A aposta não correu bem, assim como Areias não corria bem, desengonçado do alto do seu metro e noventa. O ambiente no Dragão tornou-se assim demasiado árido à sua volta, aquilo era areia demais para a camioneta do Areias e Miguel Alexandre desceu naturalmente os degraus do aparato mediático para níveis mais consentâneos com os seus pontos fortes: a capacidade inigualável de efectuar lançamentos laterais com a fitinha no cabelo perfeitamente aprumada e a forma emblemática com que olhava à distância para os adversários que se escapuliam nas suas costas.
Para finalizar, o brasileiríssimo Ezequias Roosevelt. Uma pessoa desconfiava logo da sua antroponímia contraditória. Um primeiro nome algo fúnebre (ninguém nos desmente que “Ezequias” não resulta de uma má escrita de “exéquias”, assim como “Maiquel” foi como a senhora brasileira do registo entendeu que se escrevia “Michael”), ao qual se juntava um segundo nome grandioso. Nesta mescla, alguma coisa de útil poderia advir. Mas nem por isso. Algumas épocas no Marítimo e uma temporada na Académica não lhe pareciam vaticinar palcos maiores, mas alguém pensou que sim. Acabara de sair a taluda a Ezequias. E, também, para quem já tinha tido uma paleta tão diversa de tipos para aquele lugar, não fazia mal experimentar mais um. Do género, vem fazer uma demo connosco, vem dar uns concertos, mostra o que vales e logo se vê, na boa e sem compromissos. Até que um dia, “esqueceram-se” de o chamar e percebeu que o seu lugar já estava ocupado. E quem o veio ocupar, na temporada seguinte? Seguramente alguém indiscutível, para variar, reclamava o adepto. Alguém escolhido pelo seu valor, não apenas um fulano indicado para manter uma “política de boa vizinhança” ou para pagar favores a outrem. Alguém a quem possamos apontar o dedo e dizer “sim, sr., temos aqui defesa-esquerdo para uma geração, capaz de meter o Cech no bolso e de não ser o elo mais fraco mais uma vez”.
Esse alguém foi o Lino.
Oh infâmia!
Oh desdita!
Lino?
Seria o regresso sebastiânico do tipo que veio do Chaves do señor Bastón há uns anos?
Como já perceberam, não era. E isso, para desgosto dos adeptos, também não se traduziu em algo necessariamente bom.
2 comentários:
Descobri q os Super Dragões tinham excelente sentido de humor quando dedicarem um cântico ao Lino, que se manifestava sempre que o homem ia bater um livre contra a barreira. "lalalalalala chuta Linooo!", ao ritmo da musiqueta Puerto Rico dos Vaya Con Dios.
Momentos épicos que acabavam constantemente num suspiro de desilusão.
*dedicarAm, digo....
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